LEGISLAÇÃO

OPINIÃO: Portaria sobre TAH: fins nobres, mas meios inadequados

Em artigo exclusivo para o NMB, o advogado Marcello Ribeiro Lima Filho comenta a nova portaria do DNPM que visa limitar a prática de renúncia de requerimentos de pesquisa para se evitar o pagamento de TAH.

OPINIÃO: Portaria sobre TAH: fins nobres, mas meios inadequados

Em 29/09/2016 foi publicada a Portaria DNPM nº 283/2016 que cuidou de alterar a redação do art. 8º do Manual de Procedimentos para Cobrança da Taxa Anual por Hectare e Multas do DNPM, aplicável no caso de inobservância da Legislação Mineraria, aprovado pela Portaria nº 365/2010, mais especificamente no que diz respeito à cobrança de Taxa Anual por Hectare (TAH) na hipótese de desistência do requerimento de pesquisa no dia da publicação do alvará.

Assim foi que a alteração introduzida, alterando o “entendimento” quanto à impossibilidade de cobrança de TAH no caso de renúncia do requerimento de pesquisa na data da publicação do respectivo alvará, firmou o entendimento de que, nestes casos, será devida a TAH.

O artigo 20, II do Código de Mineração estabelece a obrigação de o titular de autorização de pesquisa pagar, até a entrega do relatório final de pesquisa, taxa anual calculada de acordo com a área do respectivo título, podendo dela renunciar (artigo 22, II do CM), operando-se os efeitos na data do protocolo, com a desoneração da área. Apesar de inexistir previsão expressa tratando da renúncia do requerimento de pesquisa, dúvidas não restam quanto à tal possibilidade, matéria esta, inclusive, já pacificada no DNPM através do Parecer Conjur/MME nº 048/2002, no sentido de que “…os preceitos atribuídos à renúncia à autorização de pesquisa podem ser usados na desistência do requerimento de pesquisa.”

Por outro lado, a outorga do alvará de pesquisa, ao contrário, não gera efeitos imediatos a partir da respectiva publicação, mas, tão somente, no dia seguinte, quando o requerimento, por preencher os requisitos legais e recair sobre área livre, se transforma em alvará de pesquisa. Daí decorre um dos fundamentos do presente estudo, ou seja, de que a renúncia do título na data da publicação do alvará de pesquisa, trata-se de renúncia de requerimento de pesquisa e não de alvará de pesquisa, que só passará a existir no dia imediatamente subsequente ao da publicação.

O descasamento entre o início dos efeitos da renúncia e o início da vigência da autorização de pesquisa encontrava-se, inclusive, estampado no Parecer Conjur/MME nº 048/2002, que consignava que “Assim, temos aqui a presença de dois atos jurídicos perfeitos, onde o segundo - a desistência (do alvará de pesquisa) – anulou a eficácia do primeiro – o alvará.”. Por isso, concluiu que a protocolização de pedido de desistência do requerimento de pesquisa torna sem efeito o alvará de pesquisa publicado na mesma data, desonerando o requerente do pagamento da Taxa Anual por Hectare.

Valendo-se deste vácuo, o DNPM identificou a prática reiterada de renúncia de requerimentos de pesquisa, protocolizados na data da publicação do respectivo alvará, possibilitando que o respectivo titular não incorra na cobrança da TAH. Ou seja, na data da publicação do alvará e com o deliberado intuito de escapar da cobrança da TAH, o titular do requerimento de pesquisa dele renuncia. Ato contínuo, apresenta novo requerimento de pesquisa, sobre a mesma área, de forma que o resultado prático acaba sendo a oneração indefinida da área, sem que o respectivo titular incorra na cobrança de TAH.

Mais recentemente e de forma casuísta, o entendimento materializado no Parecer Conjur/MME nº 048/2002 foi alterado com a finalidade de atender a uma demanda concreta e procurar “acomodar” a normatização a uma situação que se reconhece como nefasta ao interesse público.

Assim, o Parecer 333/2014/Conjur-MME/CGU/AGU, ao argumento da existência de “…elevada quantidade de alvarás de pesquisa objeto de renúncia na data de publicação da outorga do título, com o deliberado intuito de evitar a cobrança da Taxa Anual por Hectare.” inverteu o entendimento presente no Parecer Conjur/MME nº 048/2002, “…no sentido de ser obrigatório, pelo titular do Alvará de Pesquisa, o pagamento da TAH ainda que tenha sido formalizada renúncia ao aludido título minerário na mesma data de sua publicação no DOU.”

Não bastasse o vício decorrente da sua motivação casuísta, é ainda relevante que se pondere que este entendimento não andou bem no que diz respeito aos seus fundamentos jurídicos.

Em primeiro lugar, é relevante destacar que a renúncia protocolizada na data da publicação do alvará não se tratar de renúncia do alvará, que ainda não existe, mas sim do requerimento de pesquisa.

Isso porque, estabelece conforme a Lei de Processos Administrativos Federais - Lei n.º 9.784/99, mais especificamente as regras de contagem de prazo estabelecidas no artigo nº 66 e também positivadas no caput do art. 224 do Código de Processo Civil/2015, os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ou seja, para a contagem dos prazos não se conta o dia da publicação, mas se inclui o dia do vencimento.

Vale lembrar que, além do parecer Proge a positivar a aplicação da Lei de Processos Administrativos Federais ao processo minerário quando este não estabelecer sistemática própria (Parecer Proge 173/2008 – FMM) e de o art. 83 do CM estabelecer a aplicabilidade do direito comum a propriedade mineral, não é demais repisar que, agora por disposição expressa do artigo 224 do Novo Código de Processo Civil, de aplicação supletiva e subsidiária (CPC, art. 15) “a contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.”

Assim, por qualquer ângulo que se olhe, a conclusão é uma só: Na contagem dos prazos do processo administrativo minerário, exclui-se a data da publicação e inclui-se o último dia. Como, em paralelo, a renúncia gera efeitos imediatos, o requerimento de pesquisa objeto da renúncia na data da publicação do alvará, jamais se tornará um alvará, de sorte que a hipótese de cobrança da TAH estabelecida no art. 20, II do CM sequer ocorre e, por via de consequência, indevida a cobrança da TAH e de multa pelo não recolhimento.

Apesar de ser louvável a preocupação do administrador público de buscar repelir praticas que contrárias ao interesse público, não se pode admitir não só a consolidação de entendimentos casuístas como no caso, como, tampouco, a adoção de prática contrária a toda sistemática de contagem de prazos que rege o processo administrativo minerário.

Muitos tem sido os casos de autuação por não pagamento de TAH quando a renúncia é protocolizada no dia da publicação do alvará. Em que pesem as nobres intenções a nortear o “novo entendimento”, infelizmente, o desfecho das defesas apresentadas deverá ser no sentido de eximir o titular da TAH já que não será através de um “novo entendimento” que se subverterá a regra de contagem de prazos, se fazendo necessário que se busque, com amparo na lei, outra forma para evitar (ou desestimular) a prática reconhecidamente nefasta ao interesse público.

Marcello Ribeiro Lima Filho é advogado e sócio de Lima & Feigelson e Advogados e especialista em infraestrutura e mineração.