Entre as queixas estão a poluição sonora pelos trens que dia e noite transportam minério, rachaduras nas casas pela trepidação, doenças respiratórias decorrentes da poluição do ar, atropelamentos pela falta de passarelas para cruzar a ferrovia, assoreamento de igarapés, desapropriações irregulares de terras e ruptura dos sistemas tradicionais de cultivos e criação de animais, entre outras situações.
Na audiência, organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), a pesquisadora Cristiane Faustino disse que esses problemas vem sendo reportados ao Estado há décadas, mas que nenhuma providência foi tomada.
O relatório da pesquisadora foi motivado pela construção do novo projeto da Vale na região e pela duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que corta 27 municípios e 86 comunidades quilombolas e populações indígenas no Pará e no Maranhão.
O documento também apresenta recomendações à Vale. Convidada para o debate, a mineradora não mandou representante.
Faustina explicou que o projeto da nova mina permitirá mais que dobrar a produção de ferro do complexo de Carajás, passando das atuais 110 milhões de toneladas ao ano para 230 milhões de toneladas. Como enfatizou, a geração dessa riqueza pela atividade de mineração tem sido acompanhada da violação sistemática dos direitos das populações que vivem nesse território.
“As populações afetadas pela atividade mineradora, causadora de muitos impactos, são muitas vezes invisibilizadas. Há grande desencontro entre o discurso do desenvolvimento e a situação concreta enfrentada pelas comunidades que vivem na região”, explicou.
Para o advogado Guilherme Zagallo, da rede Justiça nos Trilhos, a situação revelada no relatório da DHESCA é fruto do descaso com que são tratadas as populações afetadas pela mineração.
“A buzina [dos trens], de dia e de noite, interfere em atividades escolares e interfere no sono das pessoas. Imagine alguém conseguir trabalhar no outro dia tendo sido acordado três ou quatro vezes de noite, por uma buzina ferroviária. As rachaduras nas casas, causadas pela vibração. Esses problemas têm sido recorrentes e o Estado brasileiro tem tido um tratamento muito pequeno”, afirma Zagallo.
No debate, Edson Faria Melo, represente do Ministério das Minas e Energia, reconheceu que muitos dos problemas relatados decorrem da falta de diálogo com a população, ainda no início da atividade mineradora da Vale.
Para completar o relato, o líder quilombola Justo Evangelista Conceição contou que muitas famílias desalojadas com a abertura da ferrovia até hoje esperam pela regularização das terras. Por temer que a duplicação da ferrovia agrave o problema, ele cobrou a conclusão do processo de titulação de terras, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas ficou sem resposta, pois o órgão não enviou representante ao debate.
Justo Evangelista contou ainda que a atividade mineradora afetou toda a estratégia de sobrevivência das populações tradicionais.
“Antes dessa estrada, havia quantidade de pássaros, tinha guará, gado, caranguejo à vontade, manguezais. Essa Vale mexeu em tudo, foram embora os peixes, os pássaros, os manguezais se acabaram. E não temos mais como fazer criações”, lamentou.
Também relatou problemas de exploração sexual de menores e prostituição que acompanham a instalação de acampamentos para acomodar o grande número de trabalhadores mobilizados para as obras na mina e na ferrovia.
Zagallo e Evangelista cobraram a instalação de infraestrutura para travessia de carros e pedestres sobre a ferrovia, há muito prometida pela mineradora. Eles explicaram que a passagem de carros fica frequentemente bloqueada pelo movimento dos trens, fazendo com que doentes fiquem sem socorro médico e crianças sem poder ir à escola, ocorrendo ainda muitos atropelamentos.
“Já aprovamos, no âmbito do Ibama, a construção de algumas passagens, só não sei se as obras começaram”, informou Eugênio Pio Costa, representante do Ibama.
As informações são da agência Senado.