Os rompimentos de Fundão (Mariana - Brasil, 2015) e de BI (Córrego do Feijão - Brasil, 2019) e suas consequências, demandaram uma série de revisões de normas, regulamentações, legislações e também atualização do padrão global da indústria para gestão de rejeitos pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (The International Council on Mining and Metals - ICMM). O histórico das principais alterações é representado na linha do tempo abaixo:
Dentro deste contexto do setor de mineração, observa-se que ocorreu um aumento de exigências legais e uma necessidade de aprimoramento na gestão dos ativos geotécnicos (pilhas, cavas, barragens, entre outros) durante o ciclo de vida da mina (Life of Mine).
Tendo como base experiências em projetos desenvolvidos pela Alvarez & Marsal, este artigo destaca os principais desafios frente aos temas críticos de geotecnia apresentados na mandala abaixo.
Atendimento legal
O planejamento de demandas legais visa avaliar os impactos no escopo e prazo em função das inúmeras revisões das normas, leis, regulamentações e legislações do setor de mineração, além de programar os recursos e ações necessários ao atendimento dos prazos legais.
As constantes atualizações e mudanças no setor de mineração, tanto em âmbito estadual quanto federal, fazem com que o planejamento das demandas legais seja algo desafiador. Nesse cenário, tendo em vista as recentes experiências da A&M, podemos listar alguns dos principais desafios que vêm sendo enfrentados atualmente:
- Conciliação do grande número de documentos e requisitos legais por estrutura;
- Atendimento dos prazos legais devido à complexidade e robustez do trabalho a ser desenvolvido;
- Aumento da demanda por prospecções geotécnicas;
- Indisponibilidade de empresas/profissionais no mercado para atendimento da grande demanda.
Projetos Geotécnicos
De maneira geral, observa-se que as empresas possuem diversos desafios no desenvolvimento dos projetos de engenharia, tais como: a falta de metodologia de gestão de projetos, ambientes de controle frágeis, falhas de comunicação e integração entre as áreas e governança indefinida. Para minimizar maiores problemas durante a execução dos projetos e garantir sua entrega com qualidade, dentro dos prazos e custos estabelecidos, é imprescindível que o desenvolvimento da engenharia aconteça de forma estruturada, com forte atuação na estruturação de processos de Gestão de Projetos, de Planejamento e Controle e de Governança. Essas ações combinadas visam alavancar controles, melhorar comunicação e integração entre áreas e stakeholders e definir com clareza os papéis e responsabilidades.
O grande potencial de alterações de engenharia no contexto desses projetos gera a necessidade constante de aplicar procedimentos de gestão de mudança nos projetos e contratos, sendo recorrentes aditivos contratuais de custo e prazo. Tal aspecto sobrecarrega o owner team em momentos críticos do projeto, havendo a necessidade de domínio das informações multidisciplinares (planejamento, gestão de contratos, engenharia) para tomada de decisões tempestivas.
Neste sentido o uso do BIM tem ajudado os owners na compatibilização prévia de projetos, evitando retrabalhos na fase de obra. Além disso, seu uso traz celeridade na geração de novos quantitativos e planilhas de orçamento, por ocasião de alterações no desenvolvimento do projeto.
O Controle e Monitoramento eficaz dos contratos críticos do projeto é chave para garantir a máxima performance das contratadas e mitigar riscos em custo e prazo. A criação de controles e a interpretação dos dados de disciplinas diversas para gestão em negociações de aditivos e pleitos geram mais eficiência para o projeto.
Operação, Manutenção e Monitoramento
O estado de conservação das estruturas geotécnicas é um ponto que merece destaque. Os motivos mais comuns de depreciação da estrutura ocorrem pela falta de um plano de manutenção, má operação e um plano de disposição inadequado, o que origina determinadas anomalias/desvios. A seguir apresentamos as mais relevantes:
*Ref. cases de atuação A&M
Algumas medidas e gatilhos foram estabelecidos pelas resoluções e/ou decisões internas das mineradoras, sendo elas: auditorias internas e externas, classificação de nível de emergência (de 0 a 3, sendo 3 o mais crítico), declaração de estabilidade DCE (Declaração de Condição de Estabilidade), gestão de risco de ruptura das estruturas, entre outros.
No último Relatório Anual emitido pela ANM em 2020 é possível verificar a quantidade de estruturas interditadas por não apresentarem DCE positiva, face o nível de emergência que as mesmas se encontram.
Cada uma das medidas estabelecidas acarreta um volume de trabalho, sendo eles provenientes de fontes distintas como: recomendações de auditorias, ofícios, inspeções regulares e especiais. É natural que fontes distintas recomendem ações iguais ou parcialmente iguais, gerando um volume de informação expressivo e muitas vezes um trabalho de resposta. Neste contexto, é fundamental a implantação de ferramentas e metodologias de priorização, planejamento, gestão documental, fluxos de demandas e gestão de rotina.
Como exemplos de soluções, tem-se a utilização de softwares integrados de gestão, metodologias de priorização como GUT (Gravidade, Urgência e Tendência) e estabelecimento de fluxos de documentação e aprovação, garantindo, assim, o nivelamento e conhecimento de todas as partes envolvidas sobre o assunto, bem como confiabilidade e qualidade na execução das demandas.
Demandas da SEC
Em 2018, foram publicadas pela SEC (Securities and Exchange Commission) as novas regras para declarações na área de mineração, através do guia S-K 1300. Esses novos requisitos, alinhados com as diretrizes do Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards (CRIRSCO), criam uma estrutura mais robusta, consistente e transparente para divulgação de resultados de exploração, recursos e reservas minerais, com o objetivo de proteger e informar os investidores.
Nessa perspectiva, é de suma importância o detalhamento do escopo e planejamento integrado junto aos QPs (Qualified Person) das áreas responsáveis pelas informações, para integração e atendimento aos prazos da SEC. É necessária uma atuação visando gerar melhoria na qualidade da informação, aprimoramento da comunicação entre os QPs e aumento da confiabilidade nos relatórios técnicos enviados à SEC, atraindo, assim, novos investidores.
Projetos de Descaracterização
Em função das alterações regulatórias de classificação das barragens, bem como das políticas de Segurança, foram necessárias diversas mudanças dentro das organizações, a fim de cumprir os requisitos e também prazos estabelecidos para elaboração dos projetos geotécnicos de descaracterização.
Com o alto volume de informações e demandas concomitantes, destaca-se a importância de um processo bem estruturado para integração, gestão do planejamento, gestão das mudanças, qualidade e uniformização das entregas. A aplicação das metodologias de gerenciamento de projeto permite um direcionamento bem definido nas tomadas de decisão, impulsionando um bom desempenho dos stakeholders e mitigando potenciais riscos ao projeto.
Fechamento de Mina e Uso Futuro
No âmbito minerário, a gestão de minas e ativos geotécnicos faz-se necessária em todas as etapas constituintes do ciclo de vida do negócio, desde a fase de exploração e projeto até o pós-encerramento, conforme explicitado na figura abaixo:
Com intensa atuação nas fases de encerramento e pós-encerramento, a disciplina de Planejamento e Gestão de Uso Futuro tem como objetivo implementar, viabilizar e fomentar a estratégia de fechamento progressivo de ativos e minas, além de projetar, planejar, integrar e viabilizar o uso futuro de áreas minerárias pós-fechamento.
O conceito de fechamento de mina é um tema já conhecido, porém, o seu planejamento vem sendo abordado com mais frequência pelas mineradoras no Brasil e apresenta como maior desafio a integração de novos processos e metodologias à estratégia corporativa, tendo em vista a necessidade de disseminação e aculturamento do assunto dentro das companhias.
Conclusão
O cenário atual do setor de mineração é desafiador, considerando o histórico de constantes alterações regulatórias, aumento de requisitos legais e nível de complexidade das exigências.
Esse ambiente, somado ao escopo de atuação durante todo ciclo de vida da Mina (da exploração até o pós fechamento), faz com que a mineradora tenha que lidar com uma complexa integração entre os diversos stakeholders e, ainda assim ser responsivo quanto à comunicação, gestão de mudanças e projetos de Engenharia, que precisam ser desenvolvidos em regimes fast track e em paralelo com atividades em campo.
Para lidar com este cenário, deve-se definir uma governança de projeto considerando os princípios das melhores práticas, tendo como foco: (i) promover o fluxo de informações essenciais para os tomadores de decisão; (ii) menos níveis hierárquicos com tomada de decisão mais rápida, permitindo uma liderança mais efetiva; (iii) definir uma estrutura capaz de proporcionar uma transição suave para fases posteriores do projeto; (iv) assegurar a coordenação entre funções e atividades na organização do projeto e as operações em andamento da organização.
Outro fator que também se destaca nos temas de geotecnia da mandala apresentada no início desse artigo, diz respeito à baixa disponibilidade de recursos e profissionais para executar as demandas de desenvolvimento de projetos, realizar prospecções geotécnicas com ensaios de campo e laboratório para atender a magnitude da demanda do contexto atual. A demanda por recursos é muito superior à capacidade de reação e oferta do mercado.
Neste contexto, deve-se indicar um critério de priorização das demandas, desenvolver um planejamento integrado detalhado com a realização de um escalonamento adequado entre os pacotes de fornecimentos/equipamentos com as frentes de serviço, tendo atenção para os prazos legais e de start up dos projetos.
Por fim, sabe-se da necessidade de se certificar quanto ao atendimento dos marcos regulatórios, das exigências de saúde, segurança e meio ambiente, bem como do envolvimento das equipes e principais stakeholders, desde a concepção do projeto e manutenção dos relacionamentos das partes interessadas, passando pelo desenvolvimento e execução da estratégia reguladora e de licenciamento, até a definição de padrões de qualidade, realização de auditorias e revisões técnicas para garantir a conformidade dos processos.
Diante deste complexo panorama, cabe às mineradoras uma gestão ativa e integradora dos diversos projetos, processos e stakeholders para garantia do sucesso do negócio.
Autores
Rafael Aveiro Marchi
Managing Director of Infrastructure & Capital Projects
Email: rmarchi@alvarezandmarsal.com
Fabio Missiato Antunes
Senior Director of Infrastructure & Capital Projects
Email: fmissiato@alvarezandmarsal.com
Mariana Marinho Lamarca
Manager of Infrastructure & Capital Projects
Email: mlamarca@alvarezandmarsal.com
ABOUT THIS COMPANY
Alvarez & Marsal
Trabalhamos com investidores, fundos, empreendedores e líderes de projetos durante o ciclo de vida de projetos para extrair o maior valor desses investimentos e viabilizar projetos de infraestrutura.
HEAD OFFICE:
- Rua Surubim, 577 – 20º andar, - Brooklin Novo, São Paulo, SP, 04571-050, Brazil
- Phone: +55 11 3478 0547
- Web: www.alvarezandmarsal.com
- Email: fmissiato@alvarezandmarsal.com