OPINIÃO

A indefinição de parâmetros para o cálculo da CFEM-Consumo desde 1º de janeiro

Autores mostram as abordagens possíveis para a cobrança de royalties quando o mineral é para consumo

Paula Azevedo de Castro, João Henrique de Carvalho Raso e Pedro Henrique Garzon Ribas
A indefinição de parâmetros para o cálculo da CFEM-Consumo desde 1º de janeiro

Dentre as diversas modificações trazidas pela Medida Provisória 789/2017, posteriormente convertida na Lei 13.540/2017, destaca-se aquela que expressamente incluiu no texto da Lei 7.990/1989 o consumo do bem mineral como momento de ocorrência do fato gerador da CFEM¹ (hipótese essa até então prevista apenas em ato infralegal).

Além de fixar a utilização do bem mineral como fato gerador da CFEM-Consumo, a legislação definiu suas possíveis bases de cálculo: o preço corrente do bem mineral ou o valor de referência, ambos a serem regulamentados pela ANM².

Não bastando tal fato, tem-se ainda que a nova legislação trouxe também uma norma de transição, que estipulou que, até o dia 31 de dezembro de 2017, a base de cálculo da CFEM nessa hipótese seria o valor de consumo³.

Noutras palavras, somente a partir de 1º de janeiro de 2018 as novas bases de cálculo da CFEM-Consumo (preço corrente do bem mineral ou seu valor de referência) teriam eficácia para fins de cobrança pela União da aludida compensação financeira.

Todavia, o fato que merece especial atenção é que, por expressa determinação legal, a escolha por uma das possíveis bases de cálculo da CFEM-Consumo deverá necessariamente ser feita por ato da própria Agência Nacional de Mineração, o qual, por sua vez, deverá ser precedido de consulta pública. Veja-se:

"Art. 2º As alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) serão aquelas constantes do Anexo desta Lei, observado o limite de 4% (quatro por cento), e incidirão:

(...)

II - no consumo, sobre a receita bruta calculada, considerado o preço corrente do bem mineral, ou de seu similar, no mercado local, regional, nacional ou internacional, conforme o caso, ou o valor de referência, definido a partir do valor do produto final obtido após a conclusão do respectivo processo de beneficiamento;

(...)

§ 10. Para fins da hipótese prevista no inciso II do caput deste artigo, ato da entidade reguladora do setor de mineração, precedido de consulta pública, estabelecerá, para cada bem mineral, se o critério será o preço corrente no mercado local, regional, nacional ou internacional ou o valor de referência".

A leitura do enunciado destacado acima leva à seguinte compreensão: para que seja feita a quantificação e cobrança do crédito de CFEM-Consumo, a entidade reguladora do setor da mineração — a ANM — deverá determinar, para cada bem mineral, qual o critério será utilizado para fins determinação da base de cálculo da CFEM-Consumo (preço corrente ou valor de referência). Trata-se de verdadeira condição de eficácia da norma contida no inciso II do artigo 2º da Lei 8.001/1990, com redação dada pela Lei 13.540/2017.

Apesar da aludida regulamentação do tema ainda depender, primeiramente, da conclusão da consulta pública aberta no último dia 1º, fato é que o problema ora posto ainda se revela pendente de solução.

Ou seja, a ANM ainda não expediu a normativa que definirá, após essa consulta pública, se o parâmetro para fins de cálculo da CFEM-Consumo será o preço corrente (e qual será ele — local, regional, nacional ou internacional), ou se o sujeito passivo da exação deverá valer-se do valor de referência.

E não é só.

Em que pese a metodologia para apuração do valor de referência ter sido estabelecida pelo Decreto 9.252/2017, em obediência ao disposto no parágrafo 14 do artigo 2º da Lei 13.540/2017, também resta pendente a definição sobre quais serão os valores que comporão as tabelas que servirão de parâmetro para definição, por exemplo, dos fatores de ajustes estabelecidos pelo Executivo4, o que também foi colocado em consulta pública em 1º de março.

Em suma, desde 1º de janeiro de 2018, não há, por falta de regulamentação da ANM, base de cálculo definida para fins de mensuração do valor a ser pago a título de CFEM-Consumo. E, diante da incompletude da norma, entendemos não ser possível a cobrança da exação sobre os fatos geradores ocorridos nesse hiato.

De fato, se não existe a previsão normativa da base de cálculo da CFEM-Consumo, não se pode exigir o recolhimento de qualquer valor nesse período. Ademais, mesmo que venha uma regulamentação posterior, essa jamais poderia retroagir, pelos princípios da legalidade, irretroatividade e segurança jurídica.

Assim, entendemos que eventual pagamento da CFEM-Consumo, decorrente de fato gerador ocorrido a partir de 1º de janeiro de 2018 (com vencimento a partir de março), enquanto pendente de regulamentação pela ANM, será feito com base em parâmetros revogados ou sem fundamento legal.


1 Lei 13.5402017: "Art. 6º A exploração de recursos minerais ensejará o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), nos termos do § 1o art. 20 da Constituição Federal, por ocasião: (...)
IV - do consumo de bem mineral".

2 Lei 13.540/2017: "Art. 2º As alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) serão aquelas constantes do Anexo desta Lei, observado o limite de 4% (quatro por cento), e incidirão: (...)
II - no consumo, sobre a receita bruta calculada, considerado o preço corrente do bem mineral, ou de seu similar, no mercado local, regional, nacional ou internacional, conforme o caso, ou o valor de referência, definido a partir do valor do produto final obtido após a conclusão do respectivo processo de beneficiamento".

3 Lei 13.540/2017: "Art. 4º Esta Lei entra em vigor: (...)
II - em 1º de janeiro de 2018, quanto às alterações efetuadas no inciso II do caput e no § 9º do art. 2º da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, constantes do art. 2º desta Lei".

4 Lei 13.540/2017. § 14. Os valores de referência de que tratam os incisos II e III do caput deste artigo serão definidos pela entidade reguladora do setor de mineração a partir de metodologia estabelecida em decreto do Presidente da República, de modo que jazida de maior teor da substância de interesse implique aumento relativo do valor de referência.

Decreto 9.252/2017: "Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I - valor de produção - soma das despesas operacionais e administrativas, diretas e indiretas, incorridas até a última etapa de beneficiamento do bem mineral; e
II - fator de ajuste - índice estabelecido por meio de ato da entidade reguladora do setor mineração, por meio de tabela, para cada substância mineral.

(...)

Art. 5º O índice de enriquecimento será calculado, para as hipóteses previstas no art. 3º, com o objetivo de identificar o fator de ajuste nas tabelas a serem publicadas em ato normativo da entidade reguladora do setor de mineração".

Paula Azevedo de Castro é advogada, membro da Comissão de Direito Minerário da OAB-MG, especializada em Direito Minerário, Ambiental, Administrativo, Regulatório e Empresarial, especialista em Regime Jurídico dos Recursos Minerais pela Faculdade de Direito Milton Campos, MBA em Direito da Empresa e da Economia pela FGV e MBA Executivo Internacional pela Ohio University.

João Henrique de Carvalho Raso é advogado, membro da Comissão de Direito Minerário da OAB-MG, especializado em Direito Minerário, Processual Civil e Administrativo/Regulatório e especialista em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral - FDC.

Pedro Henrique Garzon Ribas é sócio do escritório Maneira Advogados, professor e coordenador de Curso de Especialização em Direito Tributário e Aduaneiro da PUC-Minas e mestrando em Direito Tributário pela USP.