1. Introdução
A questão da terceirização não é nova, nem no mundo empresarial, nem nas discussões jurídicas. Como todo novo fenômeno social e econômico, primeiramente surgiu no mundo fático, como estratégia de administração de negócios, para somente muito tempo depois passar a ser analisado e discutido juridicamente. O "enquadramento jurídico" veio inicialmente pela análise da doutrina jurídica e do Poder Judiciário sem que houvesse uma regulamentação legal específica, vindo o assunto a ser regulamentado amplamente por lei no Brasil apenas em março de 2017, com a Lei 13.429/2017, o que foi posteriormente alterado poucos meses depois, em julho do mesmo ano, pela Lei 13.467/2017, conhecida como "reforma trabalhista".
2. A evolução do tratamento jurídico ao tema
Dessa forma, uma das maiores diferenças entre o tratamento dado ao tema pela Justiça do Trabalho antes da regulamentação legal, o que por muitos anos ficou traduzido pela súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, e o atual regramento legal trazido pela legislação criada em 2017, é o escopo de abrangência da terceirização, que, por consequência define o grau de liberdade que as empresas têm para organizar suas operações.
Súmulas são resumos do entendimento consolidado de determinado tribunal em relação a um tema. A súmula nº 331 é oriunda do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que é a mais alta corte trabalhista do país. Dessa forma, embora, como súmula, não seja um entendimento de observância obrigatória, por ser oriundo do TST, possui alto grau de persuasão em relação a toda a Justiça do Trabalho brasileira.
Pela referida súmula, que era praticamente o único parâmetro para análise do tema antes da legislação de 2017, independentemente das demais características de uma determinada operação de terceirização, o mero fato de a atividade terceirizada ser enquadrada como pertencente à "atividade-fim" da empresa tomadora dos serviços fazia com que a terceirização fosse tida como ilícita, o que ocasionava a caracterização do vínculo empregatício do trabalhador diretamente com a empresa tomadora do serviço, e não com a empresa empregadora formal do mesmo, aquela que havia assinado a carteira de trabalho. Ou seja, a empresa tomadora dos serviços poderia ser, num processo judicial trabalhista, chamada a pagar os débitos independentemente de a empregadora formal ter condições de pagar.
Além disso, grandes empresas eram alvo de fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), que conseguia, mediante Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), ou mesmo Ações Civis Públicas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, que empresas fossem impedidas de terceirizar determinadas atividades consideradas "atividade-fim" em determinado caso, sob pena de pesadas multas. Por exemplo, atividades como manutenção de equipamentos, montagem e desmontagem de estruturas, movimentação de materiais, operação de máquinas pesadas, etc., eram consideradas como atividade-fim dentro da mineração, e, portanto, a terceirização das mesmas era impedida e combatida.
Dessa forma, em tais casos as empresas eram simplesmente impedidas, de forma geral e permanente, de organizar suas operações de determinada maneira, ficando obrigadas a primarizar atividades que em boa parte do mundo são terceirizadas, o que ocasionava perda de competitividade do Brasil no mercado global.
3. Mudança de paradigma: a legislação de 2017
O grande avanço trazido pela legislação que regulamentou a terceirização a partir de 2017, do ponto de vista da retirada de entraves à atividade econômica, é justamente a liberação de terceirização de todas as atividades de uma empresa, o que certamente melhorará a competitividade do Brasil no mundo. Isso não quer dizer que os trabalhadores terceirizados ficaram sem direitos, visto que, tanto antes quanto depois da legislação de 2017, os empregados terceirizados sempre tiveram, e ainda têm, todos os direitos trabalhistas de qualquer outro empregado, tais como décimo terceiro salário, férias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aviso prévio, etc. Além disso, mesmo na regulamentação atual, a empresa tomadora do serviço é responsável subsidiária (ou seja, uma garantidora) pelo pagamento das verbas trabalhistas dos trabalhadores terceirizados. Porém, como a responsabilidade agora é somente subsidiária, a tomadora só poderá ser chamada a pagar os débitos se a empregadora formal não tiver patrimônio.
Dessa forma, permite-se ao mercado estruturar suas operações produtivas de forma a maximizar a eficiência econômica dos recursos, contratando empresas especializadas para prestar serviços específicos, sem retirar direitos nem garantias dos trabalhadores, que terão dupla garantia de receber seus direitos, garantidos pela empregadora formal e pela tomadora dos serviços. E é claro que as empresas tomadoras de serviços terceirizados, cientes de sua responsabilidade subsidiária, têm interesse em ser diligentes na escolha das empresas que lhes prestam serviços, bem como na fiscalização permanente das mesmas. Tudo isso deve estar aliado a mecanismos contratuais que permitam a fácil recuperação, por parte das empresas tomadoras, de eventuais prejuízos causados pelas prestadoras decorrentes do descumprimento de deveres trabalhistas, mecanismos como aplicação de percentual de retenção de valores nas faturas, condicionamento dos pagamentos à comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas, etc.
Não é outro o objetivo da terceirização: alocar recursos da forma mais eficiente possível, deixando a execução das várias atividades e etapas produtivas para aquele ente que possui maior expertise no assunto, possuidor de melhores condições de organização dos fatores de produção, evitando ainda o super ou subdimensionamento dos recursos em determinadas épocas (sazonalidade), diluindo assim de forma mais racional os custos no mercado. Ou seja, os custos, na terceirização, são alocados proporcionalmente à utilização dos recursos.
4. Outros novos incentivos jurídicos à terceirização
Importante ainda ressaltar que não é só do ponto de vista trabalhista que o tratamento dado à terceirização pela nova legislação incentivou tal modelo produtivo, ampliando o leque de possibilidades para as empresas na estruturação de suas atividades. Também no aspecto tributário, no fim de 2017 a Solução de Divergência nº 29 da COSIT, da Receita Federal, consolidou o entendimento de tal órgão no sentido de que os valores pagos à empresa prestadora de serviços terceirizados podem gerar créditos de PIS e de COFINS para a tomadora. Ou seja, isso diminui, na prática, o custo líquido que as empresas terão com os serviços terceirizados, o que representa mais um atrativo para o modelo de terceirização.
5. Conclusão
Em suma, conclui-se que a análise de qual modelo produtivo adotar, primarizando ou terceirizando atividades, deve ser sempre tomada pelas empresas não só com base em aspectos de administração, mas também utilizando-se do suporte de uma equipe jurídica que aponte os riscos e as vantagens de cada modelo.
Pablo Mourente é Advogado formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, sócio do escritório David & Athayde Advogados. Especialista em Relações de Trabalho. Estudioso e interessado na interdisciplinaridade entre direito e economia (análise econômica do direito).