OPINIÃO

Mineração e Direito: 8 dicas a um jovem advogado

Especialista na área fala sobre atuação jurídica no setor

Tiago de Mattos
 Tiago de Mattos

Tiago de Mattos

Há poucos meses cruzei a Floresta Negra, no sudoeste da Alemanha. Uma viagem mágica. Estrada impecável. Pequenas cidades de arquitetura e cultura tradicionais, pinheiros, rios, cachoeiras, paisagens naturais incríveis e... mineração. O aparente paradoxo entre a preservação ambiental da floresta e a lavra no local estimula vários questionamentos jurídicos sobre a atividade. Já indica a existência de um campo de atuação relevante para os jovens advogados.

A mineração é uma atividade econômica fascinante. Transformar recursos minerais em riqueza é um processo difícil, longo e caro. As taxas de insucesso são altíssimas. As minas rentáveis escondem uma infinidade de fracassos, o que torna a mineração uma atividade essencialmente de risco. Daí a necessidade de atuação do Direito. É ele que vai equilibrar os interesses do Estado, dos mineradores e comunidades para reduzir as incertezas e viabilizar o desenvolvimento sustentável da indústria.

A atividade mineral tem suas bases jurídicas no art. 176 da Constituição. O Código de Mineração estabelece as regras para viabilizar a descoberta de jazidas e aproveitamento das minas. A legislação correlata e as regras administrativas complementam a estrutura normativa básica.

Dessas normas nascem várias relações que serão objeto de atuação do advogado: a relação regulatória entre o minerador e o Estado; a relação entre o minerador e o proprietário do imóvel onde está a jazida; a relação entre minerador e minerador na compra e venda de Títulos Minerários; a relação entre minerador e o investidor no financiamento dos projetos.

O advogado atuará, no setor privado, para empresas de mineração, construtoras, superficiários, bancos e investidores. Cuidará de demandas consultivas e litigiosas, judiciais e arbitrais. No setor público, poderá integrar a Advocacia-Geral da União em sua procuradoria especializada no Ministério de Minas e Energia ou DNPM (atual Agência Nacional de Mineração). Poderá trabalhar no terceiro setor, auxiliando comunidades tradicionais em suas relações com mineradores, e organizações internacionais (Banco Mundial, ICMM e EITI) envolvidas na governança e sustentabilidade da indústria.

Além das dicas clássicas, aplicáveis em qualquer área de atuação jurídica (leia-se: seja paciente, resiliente e empreendedor), sugiro outras para o desenvolvimento de uma carreira gratificante na indústria mineral:

1) Mineração, mineração, mineração

Estude a dinâmica do setor mineral. Conheça os atores da indústria. Entenda as forças econômicas que atuam na oferta e demanda por recursos minerais. Converse com geólogos, engenheiros de minas e economistas. Aprenda o processo de obtenção dos minérios. Estude a classificação de recursos e reservas. Visite jazidas e minas. Entenda as etapas da pesquisa mineral e lavra. Misture esse conhecimento e tenha a dimensão do risco que envolve a atividade. Além de ilustrativo, será fundamental para oferecer soluções jurídicas úteis para problemas complexos.

2) O Direito é um só

Continuo firme no entendimento que o Direito Minerário é uma disciplina autônoma. Mas não é suficiente para resolver grande parte das demandas setoriais. A divisão do Direito em áreas é ótima para fins didáticos, mas frágil na prática. Estude o Direito Minerário nas perspectivas do Direito Constitucional e Administrativo. Domine as bases do Direito das Obrigações e aprofunde-se no Direito dos Contratos. Encare o Direito Ambiental. Conheça os fundamentos do Direito Tributário e atualize seus estudos em Direito Empresarial. Você será chamado para resolver questões que nasceram no Código de Mineração, mas serão solucionadas em uma zona de interseção com outras áreas. Confie em mim: achar essa área de convergência será essencial para faturar seu honorários.

3) Nem só de Direito vive o advogado

Quem aproveita cobalto pode aproveitar cobre? Você vai se deparar com perguntas como essa. Terá duas alternativas: dar uma resposta seca, insegura, com base em algum artigo de lei que pareça adequado ao caso, ou poderá ir a fundo e construir algo mais consistente. Vai ser necessário navegar pelos conceitos de estéril, minério, rejeito e subproduto. Vai precisar conhecer a conformação das jazidas e a rota de beneficiamento dos minerais. Deverá estar atento à política mineral para saber o rumo das mudanças de posicionamento do governo sobre a questão. E o melhor: estudar esses assuntos pode ser ainda mais interessante que ler livros de Direito.

4) Calibre a linguagem

Atenção: é muito provável que sua orientação jurídica não seja lida por um advogado. Talvez por um engenheiro, um administrador, até mesmo um gestor formado em psicologia ou filosofia. Seja claro, conciso e objetivo. Traduza o raciocínio legal em uma mensagem direta e enxuta. Decisões técnicas, econômicas e gerenciais serão tomadas com base no seu parecer. Portanto, coloque o vetusto vernáculo forense no ergástulo público.

5) Seja sócio de um clube

Não há no Brasil muitos advogados especializados no setor mineral. Você sentirá falta de "trocar figurinhas" com seus pares. Terá que enfrentar a solidão intelectual para resolver suas demandas. Por isso, procure instituições que agreguem profissionais da indústria: institutos de pesquisa, órgãos de classe, grupos de estudos em faculdades, órgão de representação setorial e câmaras de comércio. É provável que você encontre pessoas tão ou mais dispostas a debater aquela cláusula de dedução dos custos nos contratos de royalties.

6) Equilibre suas ideologias

Não é de hoje que a mineração sofre com críticas de toda parte. As pessoas parecem esquecer que sem mineração não há vida, e lutam pela sua extinção - ou que seja realizada longe dos seus quintais. Felizmente, ou infelizmente para alguns, essa é uma doce ilusão. Você também irá se deparar com sujeitos que veneram a atividade a ponto de acreditarem que, em razão de seus benefícios, ela deve ser realizada de qualquer jeito, a todo custo. É importante para o advogado achar o equilíbrio nesse nós contra eles. Há várias formas de viabilizar a mineração responsável, e o advogado tem um papel essencial nessa construção. Acreditar no potencial da atividade, superando as críticas ingênuas, contribuirá para a formação de uma opinião coletiva mais razoável. E acredite: uma visão mais racional da mineração atrairá mais investimentos para ela e trabalho para você.

7) Estude inglês e amplie suas fontes

Apesar da tradição mineral do Brasil, os livros brasileiros para estudo de questões jurídicas associadas à mineração não são suficientes. Não há como escapar: aprenda inglês e busque textos de autores estrangeiros. Há vários deles no Canadá, Reino Unido, Argentina, Chile, Estados Unidos, Austrália, Suécia e África do Sul. E o melhor: quase tudo está disponível na internet. Não acredita? Cole o link https://openknowledge.worldbank.org/discover no seu navegador, digite mining na caixa de busca e se delicie com o resultado.

8) Pense, pondere, reflita... e escreva!

Essa dica é o reflexo óbvio da anterior. Se há espaço para novos textos, escreva-os. Um pouco de cautela faz bem. Escrever não é tão fácil quanto parece, principalmente quando o assunto requer a articulação de várias vertentes jurídicas. Nada que muito estudo multidisciplinar (em português e inglês!), debates com os colegas do clube, juízo nas ideologias e clareza no texto não resolvam.

O advogado Tiago de Mattos Silva é sócio, coordenador geral e responsável pela equipe de Direito Minerário da banca William Freire Advogados Associados.