SUSTENTABILIDADE

Opinião: Mineração, um campo aberto ao diálogo socioambiental (II)

Em mais um artigo sobre a importância de se obter o consentimento das populações em áreas de mineração, Xavier Andrillon, gerente da TFT América do Sul, diz que as leis existem, mas falta um pouco mais de proatividade das empresas.

Opinião: Mineração, um campo aberto ao diálogo socioambiental (II)

A proposta do TFT – The Forest Trust, uma organização internacional sem fins lucrativos, ao trabalhar no mundo com empresas nos diferentes setores econômicos sempre foi a de pressionar toda a atividade comercial, e a partir dos consumidores. A organização lida com a complexidade operacional e os riscos socioambientais inerentes às cadeias produtivas, sem deixar de lado a viabilidade econômica.

Para o setor minerário, o trabalho do TFT vai ao encontro da resolução de possíveis conflitos de empreendimentos com os direitos de povos tradicionais – ao trabalhar com o CLIP (Consentimento Livre, Prévio e Informado) na exploração comercial de áreas sob seu domínio, está aplicando mecanismos da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e do Direito brasileiro.

Pouco conhecido no país, o CLIP faz parte da bibliografia dos direitos humanos adotada pela comunidade internacional, e trata principalmente de direitos de povos tradicionais e do acesso a recursos naturais em suas áreas. Os princípios de consulta prévia têm a intenção de assegurar que as populações originalmente instaladas controlem suas terras, ao mesmo tempo que permite a elas negociar em termos de maior igualdade sobre questões de grande impacto local, ou sobre os recursos dos quais dependem.

Importante ressaltar que a grande sociodiversidade brasileira impôs um maior alcance ao conceito de povos e comunidades tradicionais, incluindo não apenas indígenas, mas também quebradeiras de coco de babaçu, ribeirinhos, seringueiros, pantaneiros, quilombolas, dentre outros grupos já afirmados pelo ordenamento jurídico como sujeitos de direitos.

O mecanismo de consulta e decisão participativas foi previsto pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a OIT adotou sua Convenção de número 169, que claramente exigem o CLIP. No entanto, em nível dos Estados, ele praticamente não foi incorporado às legislações nacionais, mesmo nos países que assinaram os instrumentos relevantes de direitos humanos.

Apesar de o Brasil ter ratificado a Convenção por meio do Decreto presidencial nº 5.051, de 19 de Abril de 2004, ainda não há no país exemplo prático da adoção integral de seus princípios, sendo ainda comum ser confundido com diagnósticos socioambientais ou negociações de conflitos já instalados. Tanto é assim, que como curiosidade vale dizer que na sigla CLIP, o “C” de “Consentimento” é comumente traduzido por profissionais da área como “Consulta”.

O princípio fundamental para essa abordagem é o que todas as pessoas têm o direito de determinar seu próprio futuro, decidir seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural e manter acesso a seus recursos nas terras que tradicionalmente habitam e usam. O CLIP focaliza a harmonização das relações entre diferentes grupos, assim como a proteção dos direitos dos povos indígenas.

A implantação do CLIP é necessária devido ao seu reconhecimento internacional como o principal instrumento para evitar o surgimento de conflitos judiciais entre estados, empresas privadas, ONGs e comunidades locais. O mecanismo deve ser implantado de forma consistente em todas as atividades que têm o potencial de afetar as vidas das populações tradicionalmente instaladas sobre um território, em especial os povos indígenas. A negociação, a partir do CLIP é um processo profundo e não uma mera formalidade.

O TFT considera em suas linhas de trabalho importante solicitar anteriormente às populações em territórios onde há exploração de recursos naturais minerais (em particular os povos indígenas) o seu consentimento. Isso pensando evitar que terceiros realizem uma atividade que possa ter um impacto significativo em suas vidas ou terras.

Para o TFT o problema não se restringe aos esforços do Ministério Público em fomentar e fazer cumprir a legislação que prevê a consulta prévia. Nem reside apenas na pressão de movimentos sociais por sua aplicação. É preciso que as empresas tenham incorporado mecanismos desta natureza, e com postura pró-ativa, incentivando os consumidores a funcionarem como força de transformação social e ambiental. Quer dizer, acreditamos que o consumidor e as empresas sejam as alavancas de mudanças.

Praticamente indissolúveis, os problemas sociais e a degradação ambiental andam de mãos dadas, nesse e em outros tipos de atividade econômica. E portanto não é de se estranhar que as soluções apresentadas devam passar por propostas que considerem uma avaliação ampla dos contextos e envolvam as componentes econômicas, sociais e ambientais. A experiência do The Forest Trust pode servir como um ponto de inflexão na discussão do setor minerador, para o diálogo entre empresas e comunidades interessadas.

Xavier Andrillon, gerente da TFT América do Sul, com a colaboração da equipe do TFT (www.tft-forests.org), Aline Tacon, Andresa Dias, Fábio Ueno e Tatiana Yoshida.