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1. Introdução: a MP 791/2017 e o passado recente
Em julho deste ano, grande parte do setor mineral foi pego de surpresa com o teor de três medidas provisórias que alteraram significativamente a legislação mineral.
São elas: a MP 789/2017, que altera as legislações relativas à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM); a MP 790/2017, que altera o Código de Mineração e outras legislações relativas a gestão mineral; e a MP 791/17, que cria a Agência Nacional de Mineração.
Neste pequeno ensaio, vamos nos deter à MP da Agência.
Pois bem, conceitualmente, o modelo regulatório, isto é, onde as Pessoas Jurídicas de Direito Privado exercem suas atividades, e são fiscalizadas, após concessão/autorização por parte de Agências Reguladoras, pressupõe maior independência do Regulador em relação ao governo da vez (considerando que ANM será Administrada por Diretoria colegiada e com mandato), isso em tese...
Esse modelo de agência já estava previsto no Marco Regulatório da Mineração, de iniciativa do governo Dilma Roussef, que teve como relator na Comissão Especial de Mineração da Câmara dos Deputados, o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG). Trata-se do Projeto de Lei 5807/2013.
Na época do PL do Marco Regulatório, segundo o Ministério de Minas e Energia, a quem a ANM estará vinculada, o modelo será semelhante ao da regulação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a distribuição de sucursais será semelhante à da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O governo caiu, o PL esfriou e as coisas continuaram como antes.
Daí, veio o pacote de Medidas Provisórias acima referenciado, denominado pelo atual governo de "Programa de Revitalização da Mineração".
A MP 791/2017 no curso de seu trâmite, também teve como relator o mesmo Deputado Federal Leonardo Quintão (PMDB-MG) na Comissão Mista respectiva.
Na data de 24 de outubro de 2017, foi aprovado seu relatório. Pretendo expor abaixo as impressões sobre as alterações, diante da expectativa dos principais atores do cenário: os mineradores.
2. As principais alterações promovidas pelo relatório da Comissão Mista
Para ser sintético, foco em três pontos específicos que causaram alarde no mercado, desde a publicação da MP 791/2017, até agora, com a aprovação do relatório.
2.1. Afinal, onde estarão essas Agências?
A redação original da MP 791/2017 previa que:
"Art. 1º Fica criada a Agência Nacional de Mineração - ANM, integrante da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Parágrafo único. A ANM terá sede e foro no Distrito Federal e poderá ter unidades administrativas regionais".
Após o relatório, a redação ficou assim:
"Art. 1º Fica criada a Agência Nacional de Mineração - ANM, integrante da administração pública federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Parágrafo único. A ANM terá sede e foro no Distrito Federal, e poderá ter unidades administrativas em todos os Estados da Federação".
A mudança do texto em nada altera o publicado originalmente. Isso porque, a existência da ANM em Estados Federados continua a depender da discricionariedade da União, não há vinculação e nem garantia que esteja em todos os Estados ou mesmo em quais regiões vocacionadas à mineração.
Percebo uma contradição, já que no texto substitutivo do Marco Regulatório o Quintão fixou que haveria Agência em todos Estados da Federação.
Em contrapartida, o relator resgatou uma ideia primorosa do texto do Marco Regulatório: a possibilidade de delegação de competência da gestão mineral para os demais entes federados.
Diz o texto:
"Art. 2º A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967 - Código de Mineração, em legislação correlata, e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe:
[...]
§ 4º As competências de fiscalização das atividades de mineração e da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM poderão ser exercidas por meio de convênio com Estados, Distrito Federal e Municípios, desde que os entes possuam serviços técnicos e administrativos organizados e aparelhados para execução das atividades, conforme condições estabelecidas em ato da ANM".
Ora, se por um lado a União não está vinculada a ter sucursais da ANM em todos os Estados Federados, por outro, Estados e Municípios organizados poderão se conveniar com a União para exercerem as competências fiscalizatórias e arrecadatórias da ANM via convênio.
2.2. O risco de sobreposição de atribuições
O outro ponto de destaque está entre as atribuições da ANM. A MP 791/2017 elencou entre as atribuições da ANM a abaixo descrita:
"Art. 4º Compete à ANM:
[...]
XXII - estabelecer normas complementares relativas à higiene, à segurança e ao controle ambiental das atividades de mineração e fiscalizar o seu cumprimento, em articulação com os demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, pela segurança e pela saúde ocupacional dos trabalhadores";
Após o relatório, a redação foi a seguinte:
"Art. 2º [...]
[...]
XXII - estabelecer normas e exercer fiscalização, em caráter complementar, sobre controle ambiental, a higiene e a segurança das atividades de mineração, atuando em articulação com os demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores".
Como se vê, a MP e a versão do relator dão à ANM o poder regulatório, tanto para normatizar, quanto para fiscalizar meio ambiente e segurança do trabalho.
Nada obstante reconhecer a importância de as empresas mineradores cumprirem as regras ambientais e de higiene e segurança de trabalho, entendemos que essa previsão pode trazer insegurança jurídica ao setor, dada a sobreposição de competência a diversos órgãos, de diversas esferas administrativas e entes federativos.
Isso porque, a ANM seria mais um órgão a estabelecer diretrizes sobre tais temas, além dos ordinariamente competentes.
Essa multiplicidade de agentes com competência regulamentar e fiscalizatória, aumenta o volume de normativas e fontes, causando informação de má qualidade e gerando dificuldades ao empresariado em atender o que é realmente importante.
A pluralidade de agentes com atribuições de interpretar a legislação ambiental e trabalhistas, também é fonte de insegurança, pois além dos especialistas (agentes dos Ministérios do Trabalho e Emprego e Meio Ambiente), ter-se-ia outro, com outra especialidade de conhecimento (mineração), o que não é recomendável quando se fala aplicadores de exigências normativas e penas.
Ademais, não é ocioso lembrar que, quando se fala em meio ambiente, a competência legislativa é concorrente entre municípios, Estados, Distrito Federal e União, e a competência fiscalizatória é comum.
Esse panorama tem gerado inúmeros conflitos e judicialização de todas as formas, já que muitas vezes os empreendedores cumprem as normas ambientais perante o órgão licenciador, mas outro órgão, de outro ente federativo, exerce a fiscalização sem a devida atribuição.
Se isso já é uma realidade hoje, falando em meio ambiente, isso vai se agravar com mais um ator de fiscalização e ainda vai expandir o problema para a fiscalização do trabalho.
2.3. A famigerada taxa
A MP 791/2017 também ficou conhecida pela criação da Taxa de Fiscalização de Atividades em Mineração (TFAM).
A TFAM teria certa semelhança com a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental-TCFA (do IBAMA) e tem valores definidos conforme fase do processo minerário, sendo devida por somatório de processos, anualmente. Deve ser regulamentada pela ANM em breve, pois passará a ser exigida já a partir de 2018.
O relatório aprovado ontem trouxe significativa e positiva mudança.
Primeiro no nome, passou a se chamar Taxa de Gestão de Recursos Minerais (TGRM), que deverá ser recolhida à ANM até 30 de abril de cada exercício.
O cálculo dessa taxa anual também foi alterado, apesar de continuar a ser conforme a fase do processo (se em fase de autorização de pesquisa; requerimento de lavra; concessão e outros).
Seu valor levará em conta:
- o somatório do tamanho das áreas de todos os processos minerários por detentor (começando em áreas menores ou iguais a 50 hectares e terminando em áreas de até acima de 100.000 hectares. Esse critério é variado em sete classes);
- sabendo a classe acima, observa-se a fase do processo minerário e o faturamento anual (escala a partir de empresas com faturamento até R$ 7.000.000,00, até empresas com faturamento acima de R$ 500.000.000,01 - isso está em cinco faixas).
Houve um melhor escalonamento em relação à redação original, mas de fato não é o que o mercado queria: o justo seria pagar taxa com a efetiva entrega do título autorizativo para a exploração mineral, e não um pagamento anual sem que o processo tramite (no cenário de hoje, os processos ficam estagnados. Isso não deve mudar imediatamente com a ANM).
É certo que com a criação da ANM é tolerável que o seu financiamento se dê através dessa taxa, mas não como foi posto. Aliás, hoje em dia, o cenário é estarrecedor.
Ainda em 2013 no contexto do Marco Regulatório, o Deputado Quintão foi enfático na apresentação de seu relatório preliminar: a arrecadação da CFEM em 2013, de acordo com Sistema de Informação de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) foi de R$ 2.325.709.219,14, o DNPM teria direito de receber R$ 387.404.572,00, mas foram repassados R$ 9.908.057,05, ficaram retidos por conta do contingenciamento R$ 377.496.514,95.
Ainda no contexto das discussões do Marco Regulatório da Mineração, uma amostragem local: em 08 de outubro de 2013, por ocasião de exposição à Comissão Especial de Mineração da Câmara dos Deputados, o Procurador da República lotado no Espírito Santo, Sr. Jorge Munhós, asseverou em sua fala que o corpo técnico do DNPM no ES é "absolutamente ineficiente" (65 processos por técnico - 67% a mais do que a média nacional e está com efetivo de 1/3 do que seria necessário de acordo com a lei).
É certo que a ANM precisa de fontes de receita, mas também é certo que há um contingenciamento absurdo em relação ao DNPM. Se não houvesse esse, haveria recurso suficiente e não precisaria criar taxa alguma.
3. Conclusão
Em função da substituição do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pela ANM, o cenário no curto e médio prazo é de incertezas já que tampouco se sabe que Estados da Federação terão de fato uma estrutura da agência, e se essa estrutura dará conta da fiscalização no estado respectivo (se nem hoje isso é possível...).
Essas incertezas, inclusive, são dos próprios técnicos do DNPM.
A previsão é que a ANM efetivamente nasça ainda este ano (com a publicação do decreto que será seu regulamento).
O que não pode é continuar o estado de coisas (inconstitucional), representado pela letargia na análise dos processos minerários pelo DNPM, o que ofende o princípio fundamental da duração razoável do processo, aflige setor da mineração, importante no cenário da economia nacional que, inclusive, é uma atividade de utilidade pública.
Me socorro ao Efeito de Howtorn, que diz que:
"Qualquer mudança no ambiente trará alguma melhoria a curto prazo. Como as mudanças costumam estimular os participantes, mesmo uma mudança negativa pode resultar num breve aumento de produtividade." (Fonte: A Miscelânia Original de Schott, de Bem Schott. Ed. Intrínseca, 2002, p. 122).
Em relação à MP 791/2017, agora ela segue para apreciação nos Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Vamos ver o que as Casas Legislativas farão com o texto do relator.
Victor Athayde Silva é especialista em Direito Público pela Faculdade de Direto de Vitória (FDV). Membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Espírito Santo e da Comissão de Mineração da Ordem dos Advogados do Brasil/ES. Advogado e sócio do escritório David & Athayde Advogados (www.da.adv.br)