SUSTENTABILIDADE

OPINIÃO: Mineração, um campo aberto ao diálogo socioambiental

A organização não governamental TFT (The Forest Trust) chama a atenção para um dispositivo, o CLIP, que garante a comunidades tradicionais o direito de consulta prévia antes que sejam iniciadores projetos nas regiões onde estão.

OPINIÃO: Mineração, um campo aberto ao diálogo socioambiental

A mineração é um processo destrutivo – não há como negar essa realidade. Porém, é possível vislumbrar aqui um campo propício a dirimir o eterno dilema entre soluções que privilegiam ora o social em detrimento do ambiental, ora o contrário: a mineração pode ser uma grande oportunidade para integrarmos de forma prática os interesses da natureza e da sociedade.

O TFT – The Forest Trust, uma organização internacional sem fins lucrativos, tem trabalhado em todo o mundo para trazer maior transparência e melhores práticas às cadeias de suprimentos globais, engajando produtores, fornecedores e consumidores para um mercado mais ético e produtivo. Na área da mineração em países asiáticos, o TFT entendeu que o diálogo entre as partes interessadas em negócios com recursos naturais é benéfico para todos os envolvidos, sejam comunidades locais ou empresas que se instalam em seus territórios – uma experiência a ser compartilhada no Brasil.

É certo que as condições de trabalho em pedreiras na Índia, China, Vietnã e Indonésia, onde o TFT está presente há muito tempo, são bem diferentes do que se tem no Brasil. Aqui as mineradoras estão longe de enfrentar a situação que ganhou repercussão em 2007 nesses países depois que relatórios sobre o trabalho infantil na indústria de pedras ornamentais e construção veio à tona. Naquele momento, jornais europeus trataram de fazer a conexão entre o produto extraído das minas e aqueles que usamos em nossas residências.

Em paralelo, estudos sobre as práticas adotadas na produção mostravam o tamanho dos problemas sociais e trabalhistas. Mais especificamente na Índia, é comum que crianças se envolvam na extração de pedras para ajudar a família, comprometendo a saúde e os estudos. É comum ver trabalhadores com doenças de pulmão por inalação de partículas de sílica; no entanto, 75% dos casos são diagnosticados erroneamente como tuberculose, impedindo a vítima de receber indenizações ou outros benefícios de ordem trabalhista.

No Brasil, o setor mineral tem como base a exploração de minério de ferro, bauxita, caulim e gesso entre outros subprodutos para a indústria automotiva, da construção civil, farmacêutica e agrícola. Mas, apesar de um cenário bem diferente, o alcance da atividade é tão danosa do ponto de vista social como do ambiental.

Hoje, uma questão crucial para os brasileiros é a discussão do “novo” Código de Mineração, que deverá substituir o atual, que vigora desde 1967. O conjunto legal em estudo no poder Executivo desde 2008, só deverá ser votado no Congresso Nacional em 2015, após as próximas eleições presidenciais. Um ponto nevrálgico do marco que deverá regular a atividade minerária brasileira pelos próximos 40 ou 50 anos é de cunho social, é a aplicação da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e regulação da atividade econômica em Terras Indígenas. Na Convenção, da qual o Brasil é signatário, está previsto o direito à consulta livre, prévia e informada de comunidades tradicionais, mecanismo mais conhecido como CLIP – um mecanismo com o qual o TFT vem trabalhando desde que atua no país.

Para a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, Eliane Moreira, o CLIP não precisa de regulamentação para sua máxima vigência – a Convenção 169 da OIT e o princípio de consentimento prévio entraram no ordenamento jurídico brasileiro por Decreto presidencial nº 5.051, de 19 de Abril de 2004. A promotora estadual vê o CLIP como um importante instrumento de diálogo intercultural entre povos culturalmente diferenciados e o Estado, ou as empresas privadas, e defende que o direito à consulta surge quando se deseja implementar medidas administrativas ou legislativas capazes de afetar direitos coletivos desses povos, possibilitando que tenham controle sobre o destino de suas vidas e de seus recursos naturais.

Em suma, o CLIP não apenas é requerido, mas tem garantia em lei, como um pilar central do novo Código de Mineração. Presente na metodologia de trabalho do TFT, a consulta prévia vem sendo aplicada em diferentes projetos no Brasil. O The Forest Trust assume que esse “código de conduta” internacional deveria intervir antes da instalação de qualquer projeto de impacto em terras sob domínio de pessoas, atendendo a necessidades e anseios de povos originalmente instalados, evitando assim conflitos potenciais.

“Hoje a mediação é apenas mitigadora, atuando em disputas já instaladas, com custos enormes para todos os envolvidos”, afirma Andresa Dias, do TFT, que entende que a implantação do CLIP seja tanto de interesse de populações tradicionais quanto de atores econômicos que desejem fazer uso de seus recursos naturais – as empresas. Um acordo sobre tais bases permite a preservação do modo de vida local, da natureza, mas também garante uma negociação paritária que oferece a terceiros explorar os recursos existentes sobre as terras, sejam madeireiros, não-madeireiros ou de origem mineral. Com essa atitude, governos, empresas ou ONGs poderão se beneficiar de sua aplicação, visto os princípios do CLIP ajudarem a evitar (ou a resolver) conflitos que chegam a impedir as atividades produtivas.

A experiência de 7 anos do TFT no Brasil tem mostrado que as empresas do setor de mineração podem se beneficiar desse conjunto de princípios, ou seja, atuando de forma mais responsável e ecológica, cumprindo condicionantes ambientais (legais) e em benefício da justiça social e no compromisso ético com o consumidor. Em realidade, quando há acordos justos, estabelecidos previamente entre as partes, por intermédio do CLIP, é provável que as atividades realizadas possam se perpetuar por longos períodos – afinal são acordos baseados em acesso à informação, confiança e equidade. Estes importantes pré-requisitos para a boa gestão de recursos naturais, integram ambos os eixos, social e ambiental, e possibilitam a sustentabilidade de processos de exploração comercial.

Xavier Andrillon, gerente da TFT América do Sul, com a colaboração da equipe do TFT (www.tft-forests.org), Aline Tacon, Andresa Dias, Fábio Ueno e Tatiana Yoshida.

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