1. A contextualização do Decreto Federal nº 9.406/2018
No ano de 2017, precisamente em 26 de julho, foram publicadas três medidas provisórias que alterariam o ordenamento jurídico brasileiro em relação a mineração. Esse pacote foi nominado de Programa de Revitalização da Mineração.
A MP nº 789/17, que veio a se tornar a Lei Federal 13.540/2017, que alterou as legislações relativas à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
A MP nº 791/17 culminou com a Lei Federal nº 13.575/2017, que criou a Agência Nacional de Mineração, pendente de regulamentação.
Por sua vez, a MP nº 790/17, que alteraria o código de mineração e outras legislações relativas a gestão mineral, não foi apreciada pelo Congresso Nacional no prazo constitucional, operou-se a sua rejeição tácita, ou por omissão, conforme art. 62, §§ 3º e 7º1 da CRFB/88, e, por isso, perdeu sua eficácia em 28 de novembro de 2018, ainda que tenha gerado obrigações e direitos no mundo material desde sua publicação².
O insucesso da proposta contida na MP 790/17 foi um desgaste para o Governo Federal, já que seu programa de revitalização era baseado no seguinte tripé: 1. Atualização do Código; 2. Aumento de arrecadação da Cfem e 3. Criação da agência. Assim, o Governo partiu para dar nova roupagem ao regime estabelecido pelo Código de Mineração de 1967, não através de um Projeto de Lei, mas de seu regulamento cinquentenário (Decreto nº 62.934/1968), modificando-o pelo Decreto Federal nº 9.406/2018.
Este breve ensaio pretende observar a parte do Decreto onde se localiza a competência fiscalizatória da Agência em matéria ambiental.
2. Os problemas da competência fiscalizatória em matéria ambiental da ANM
A Lei Federal nº 13.575/2018 define as competências da Agência Nacional de Mineração e uma delas chama a atenção3, observe:
"Art. 2º Art. 2o A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), em legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe: [...]
XXII - estabelecer normas e exercer fiscalização, em caráter complementar, sobre controle ambiental, higiene e segurança das atividades de mineração, atuando em articulação com os demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores;"
Está positivado, a ANM tem poder regulatório, tanto para normatizar, quanto para fiscalizar meio ambiente e segurança do trabalho.
Especialmente em relação ao meio ambiente, Decreto Federal nº 9.406/2018 tem um conteúdo abrangente.
É louvável em alguns pontos, por exemplo, ao dizer que tanto o Ministério de Minas e Energia (MME), quanto a ANM, deverão estimular o aproveitamento de rejeitos, estéreis e resíduos da mineração (muito embora, seja algo que precisamos ver para crer, pois é um conteúdo meramente programático), mas vejo risco em outros, principalmente em relação ao exercício do poder de polícia.
Ora, o Decreto Federal nº 9.406/2018 criou obrigações e infrações de caráter ambiental, além das previstas no Código de Mineração, e isso está expresso no texto, observe:
"Art. 70. O descumprimento às obrigações previstas no art. 34, caput , incisos V, IX, X, XI, XII, XIII, XVI, XVIII e XIX implicará multa de R$ 1.619,63 (um mil, seiscentos e dezenove reais e sessenta e três centavos) a R$ 3.239,26 (três mil, duzentos e trinta e nove reais e vinte e seis centavos), conforme estabelecido em Resolução da ANM. (destacou-se)".
As "obrigações" constam de decreto4 e descumpri-las, seria uma infração. Tais condutas antijurídicas, passíveis de penalização na esfera administrativa, no âmbito da ANM, já têm previsões similares na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/1998), que também prevê a responsabilização administrativa na matéria.
Não se pode criar infrações e obrigações por decreto, apenas por lei em sentido formal, justamente para que se garanta a observância aos Princípios da Legalidade (art. 5º, II da CRFB/884); da Estrita Legalidade (art. 37, caput da CRFB/885) e da Reserva de Lei.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos II e XLVI, estabelece que ao administrado somente serão impostas sanções quando previamente definidas em Lei, mediante Devido Processo Legal. O tema é pacífico no STF, conforme RE 318.873-AgR/SC, de Relatoria do Exmo. Min. Celso de Mello.
Os agentes econômicos do setor de mineração têm contra si uma nova espécie de responsabilização por eventuais infrações ambientais, a administrativa-minerária, que se somaria (ilegal e inconstitucionalmente) às responsabilidades ambientais em matéria penal, civil e administrativa.
Ocorre que, no que se refere à sobreposição de autuações administrativas de órgãos ambientas das diferentes esferas federativas, o sistema normativo dá segurança jurídica ao infrator, determinando competências e evitando o bis in idem.
É o que se vê da Lei Complementar nº 140/2011, quando determina:
"Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada".
Também é o que se extrai da própria Lei de Crimes Ambientais, assim:
"Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência".
3. Conclusão
A ANM, no contexto do decreto em análise, exsurge como novo ator em matéria de fiscalização ambiental, mas não figura como um membro do Sistema Nacional de Meio Ambiente. O sistema jurídico-ambiental não a concebeu como um ente fiscalizatório e normatizador dessa matéria.
E pior, a ANM agirá com fundamento em espécie normativa de flagrante inconstitucionalidade material.
Dar à ANM ferramentas regulatórias para autuar em matéria ambiental é um mau caminho, os agentes econômicos estão diante da possibilidade de serem penalizados por um ente federativo que não lançará mão das hipóteses de incidência da Lei de Crimes Ambientais, logo, sem a proteção do art. 17 dessa lei, mas, pior, a ANM exercerá poder de polícia e aplicará penas administrativas com base em obrigações advindas de um decreto, é um cenário aterrorizador de insegurança jurídica e de judicialização.
Victor Athayde Silva. Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direto de Vitória-FDV. Membro dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo, também das Comissões de Meio Ambiente e Mineração da Ordem dos Advogados do Brasil/ES. Advogado e sócio do escritório David & Athayde Advogados.
OPINIÃO
O poder de polícia ambiental da ANM no novo regulamento do Código de Mineração
Leia o artigo de opinião de Victor Athayde Silva, especialista em Direito Público
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1. A contextualização do Decreto Federal nº 9.406/2018
No ano de 2017, precisamente em 26 de julho, foram publicadas três medidas provisórias que alterariam o ordenamento jurídico brasileiro em relação a mineração. Esse pacote foi nominado de Programa de Revitalização da Mineração.
A MP nº 789/17, que veio a se tornar a Lei Federal 13.540/2017, que alterou as legislações relativas à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
A MP nº 791/17 culminou com a Lei Federal nº 13.575/2017, que criou a Agência Nacional de Mineração, pendente de regulamentação.
Por sua vez, a MP nº 790/17, que alteraria o código de mineração e outras legislações relativas a gestão mineral, não foi apreciada pelo Congresso Nacional no prazo constitucional, operou-se a sua rejeição tácita, ou por omissão, conforme art. 62, §§ 3º e 7º1 da CRFB/88, e, por isso, perdeu sua eficácia em 28 de novembro de 2018, ainda que tenha gerado obrigações e direitos no mundo material desde sua publicação².
O insucesso da proposta contida na MP 790/17 foi um desgaste para o Governo Federal, já que seu programa de revitalização era baseado no seguinte tripé: 1. Atualização do Código; 2. Aumento de arrecadação da Cfem e 3. Criação da agência. Assim, o Governo partiu para dar nova roupagem ao regime estabelecido pelo Código de Mineração de 1967, não através de um Projeto de Lei, mas de seu regulamento cinquentenário (Decreto nº 62.934/1968), modificando-o pelo Decreto Federal nº 9.406/2018.
Este breve ensaio pretende observar a parte do Decreto onde se localiza a competência fiscalizatória da Agência em matéria ambiental.
2. Os problemas da competência fiscalizatória em matéria ambiental da ANM
A Lei Federal nº 13.575/2018 define as competências da Agência Nacional de Mineração e uma delas chama a atenção3, observe:
"Art. 2º Art. 2o A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), em legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe: [...]
XXII - estabelecer normas e exercer fiscalização, em caráter complementar, sobre controle ambiental, higiene e segurança das atividades de mineração, atuando em articulação com os demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores;"
Está positivado, a ANM tem poder regulatório, tanto para normatizar, quanto para fiscalizar meio ambiente e segurança do trabalho.
Especialmente em relação ao meio ambiente, Decreto Federal nº 9.406/2018 tem um conteúdo abrangente.
É louvável em alguns pontos, por exemplo, ao dizer que tanto o Ministério de Minas e Energia (MME), quanto a ANM, deverão estimular o aproveitamento de rejeitos, estéreis e resíduos da mineração (muito embora, seja algo que precisamos ver para crer, pois é um conteúdo meramente programático), mas vejo risco em outros, principalmente em relação ao exercício do poder de polícia.
Ora, o Decreto Federal nº 9.406/2018 criou obrigações e infrações de caráter ambiental, além das previstas no Código de Mineração, e isso está expresso no texto, observe:
"Art. 70. O descumprimento às obrigações previstas no art. 34, caput , incisos V, IX, X, XI, XII, XIII, XVI, XVIII e XIX implicará multa de R$ 1.619,63 (um mil, seiscentos e dezenove reais e sessenta e três centavos) a R$ 3.239,26 (três mil, duzentos e trinta e nove reais e vinte e seis centavos), conforme estabelecido em Resolução da ANM. (destacou-se)".
As "obrigações" constam de decreto4 e descumpri-las, seria uma infração. Tais condutas antijurídicas, passíveis de penalização na esfera administrativa, no âmbito da ANM, já têm previsões similares na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/1998), que também prevê a responsabilização administrativa na matéria.
Não se pode criar infrações e obrigações por decreto, apenas por lei em sentido formal, justamente para que se garanta a observância aos Princípios da Legalidade (art. 5º, II da CRFB/884); da Estrita Legalidade (art. 37, caput da CRFB/885) e da Reserva de Lei.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos II e XLVI, estabelece que ao administrado somente serão impostas sanções quando previamente definidas em Lei, mediante Devido Processo Legal. O tema é pacífico no STF, conforme RE 318.873-AgR/SC, de Relatoria do Exmo. Min. Celso de Mello.
Os agentes econômicos do setor de mineração têm contra si uma nova espécie de responsabilização por eventuais infrações ambientais, a administrativa-minerária, que se somaria (ilegal e inconstitucionalmente) às responsabilidades ambientais em matéria penal, civil e administrativa.
Ocorre que, no que se refere à sobreposição de autuações administrativas de órgãos ambientas das diferentes esferas federativas, o sistema normativo dá segurança jurídica ao infrator, determinando competências e evitando o bis in idem.
É o que se vê da Lei Complementar nº 140/2011, quando determina:
"Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada".
Também é o que se extrai da própria Lei de Crimes Ambientais, assim:
"Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência".
3. Conclusão
A ANM, no contexto do decreto em análise, exsurge como novo ator em matéria de fiscalização ambiental, mas não figura como um membro do Sistema Nacional de Meio Ambiente. O sistema jurídico-ambiental não a concebeu como um ente fiscalizatório e normatizador dessa matéria.
E pior, a ANM agirá com fundamento em espécie normativa de flagrante inconstitucionalidade material.
Dar à ANM ferramentas regulatórias para autuar em matéria ambiental é um mau caminho, os agentes econômicos estão diante da possibilidade de serem penalizados por um ente federativo que não lançará mão das hipóteses de incidência da Lei de Crimes Ambientais, logo, sem a proteção do art. 17 dessa lei, mas, pior, a ANM exercerá poder de polícia e aplicará penas administrativas com base em obrigações advindas de um decreto, é um cenário aterrorizador de insegurança jurídica e de judicialização.
Victor Athayde Silva. Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direto de Vitória-FDV. Membro dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo, também das Comissões de Meio Ambiente e Mineração da Ordem dos Advogados do Brasil/ES. Advogado e sócio do escritório David & Athayde Advogados.
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